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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Tuesday, September 29, 2015

“A Última Criada de Salazar: a vida doméstica e os dias do fim” de Miguel Carvalho (Oficina do Livro)



Já nos habituámos às reportagens e ao estilo narrativo no jornalismo de Miguel Carvalho, cujas peças sempre se assemelham ora a crónicas de viagens – quer pelo território nacional quer pelo mundo –, ora a um romance policial, juntando muitas vezes o talento para a construção de uma biografia. O discurso de Miguel Carvalho apresenta-se numa prosa ágil, escorreita, a lembrar um pouco o romantismo ou até mesmo os autores neo-realistas, tal como acontece com primeira parte da biografia de Lúcio Feteira, onde encontramos, por vezes, ecos de Raul Brandão.

Nesta última obra de Miguel Carvalho, publicada já há dois anos atrás, é notória a preocupação do autor em não deixar que as suas próprias convicções ideológicas ocultem o ponto de vista da protagonista, D. Rosália Araújo, criada no Palácio de S. Bento. Trata-se de uma obra que valor documental, apresentada como o testemunho de uma época.

A variedade das fontes consultadas pelo Autor permitiram-lhe operar uma reconstrução fiel da mentalidade e da época e da forma de viver o quotidiano do palácio durante o Estado Novo, assim como efectuar a adequada contextualização histórica , socorrendo-se de um vastíssimo leque de fontes (a bibliografia consultada aparece totalmente descrita no final da obra) as quais se estendem por todo o espectro político-ideológico. Apesar disso, o perfeccionismo de Miguel Carvalho, ao citar Franco Nogueira in Salazar, vol VI (1985) não deixa de frisar que: “muitas perguntas estão [ainda] sem resposta, muitas lacunas ficam por preencher...”. No entanto, Miguel Carvalho não deixa de responder a algumas questões de peso, que nunca antes foram colocadas, ou se o foram, nunca se focaram na perspectiva que é aqui enunciada por Miguel Carvalho, por exemplo: a personalidade de Salazar e a forma de se relacionar com as pessoas dentro do espaço doméstico gigantesco como era o Palácio de S. Bento; as estratégias e segredos a que recorriam as criadas para sobreviver à ditadura de Dona Maria, a Governanta; a forme como eram geridas as finanças, as despesas e a alimentação na residência oficial; que episódios foram ocultados nos últimos anos de vida do político; qual a versão foi contada ao pessoal doméstico sobre a tão falada “queda da cadeira; e, por último, como tentou o regime de então “matar” o ditador.

A protagonista do livro é uma figura feminina que contava apenas com dezanove anos aquando da morte do Ditador. Para verter o texto sob o olhar de uma jovem que passou a adolescência protegida pelos muros do Palácio de S. Bento, o tom do discurso usado por Miguel Carvalho neste livro aparentemente, um pouco mais ligeiro em relação a outras obras da autoria: o olhar de uma jovem que conviveu de perto com a faceta doméstica de António Oliveira Salazar, alheia à sua faceta política e ao ethos ou imagem de si que a figura polémica deste político carismático projectava quer para o país (figura de autoridade máxima cujas convicções políticas nunca se podiam pôr em causa) quer para o resto do mundo (uma figura de atitude ambígua, escorregadia, de postura dúplice, sobretudo durante a segunda guerra mundial, um animal político, embora profundamente provinciano na sua forma de conceber o mundo), mas que nos mostra a imagem de um pai de família, dotado de autoridade em relação aos restantes habitantes do Palácio, mas benevolente. É nesta relação estabelecida entre todos estes dois pontos de vista, estas imagens, estes ethe relativos ao estadista português, que assenta a o interesse do livro de que hoje aqui falamos: a jovem Rosália desconhecia, por exemplo, a existência de uma polícia política, da qual só tomaria consciência aquando do atropelamento de que fora vítima, ao sair em serviço para abastecer a despensa do palácio. Esta simples ocorrência desencadeou todo um esquizofrénico processo de investigação para verificar uma qualquer hipótese de atentado.




O posicionamento do autor assenta num delicado equilíbrio que se atinge sem subscrever na íntegra a visão de Dona Rosália Araújo acerca do Ditador, mas contudo sem a rejeitar, incorporando-a na imagem prévia que já possuía do antigo chefe de Estado, aglutinando a perspectiva transmitida por Dona Rosália ao conhecimento anteriormente adquirindo, fornecendo-nos assim um retrato mais completo, com uma faceta até então pouco conhecida daquele que esteve quase meio século à frente dos destinos do País.

Aos olhos de Dona Rosália Araújo a pessoa do Ditador, com a qual convivia todos os dias no Palácio, apresentava-se como um homem amável, cavalheiro, quase paternal. Por outro lado, cabia a uma figura feminina incarnar a faceta repressiva do regime dentro dos muros de S. Bento. Essa figura seria D. Maria, a governanta, retratada a partir de uma imagem projectada para o leitor que se aproxima muito da das bruxas maléficas dos contos da fadas tradicionais. É ela quem exibe a postura tirânica, despótica e quase que sádica na forma como exerce o poder face aos que estão sob a sua responsabilidade e também na gestão dos fluxos de informação dentro do palácio, correspondência incluída. Esta polarização entre as duas figuras de maior autoridade dentro do palácio,o ditador Benevolente e a Governanta perversa, assim percepcionadas por Dona Rosália, é outra característica de grande interesse na obra, por ter a ver com as relações de poder que se estabelecem dentro da residência oficial do chefe de estado e da forma como é percebido e exercido o poder dentro de uma estrutura hierárquica com um líder autoritário. A crueldade desta chefe do staff doméstico de António Oliveira Salazar ficou inscrita na memória daqueles que com ela conviviam diariamente, sobretudo as criadas que se encontravam sob sua chefia directa. D. Maria era conhecida por mandar executar tarefas especialmente difíceis sem se preocupar com as condições da sua exequibilidade.

Deixo-vos agora com a Introdução e com a “voz” de Miguel Carvalho para vos dar a conhecer a extensão e minúcia deste trabalho de reconstituição da vida doméstica do Palácio de S. Bento durante o “reinado” de António Oliveira Salazar:

Rosália Araújo foi a última criada de António Oliveira Salazar.: entrou em São Bento em 1965, com quase 14 anos, e de lá saiu, com um interregno, após a morte do ditador, em 1970. Tinha, então, 19 anos.

Conheci-a em Março de 2012, quando pela primeira vez me desloquei a Favaios, concelho de Alijó, em reportagem.
Queria contar a sua história nas páginas da Revista Visão, mas não estava certo de a ter convencido.

Nas nossas conversas prévias pelo telefone, esta afamada padeira da região várias vezes me disse que detestava protagonismos e não desejaria que as pessoas pensassem que se estava a pôr em bicos de pés.

Creio que a convenci a desfiar as suas recordações , não pelo mediatismo inevitável das suas memórias, mas à medida que fomos conversando, olhos nos olhos.


Sobre este livro, termino aqui com o testemunho de Manuel António Pina que afirmava, peremptório:

«Miguel Carvalho é a prova (se tal carecesse de prova) de que um bom jornalista há-de ser, necessariamente, um bom escritor».



Cláudia de Sousa Dias

13.09.2015

5 Comments:

Blogger Claudia Sousa Dias said...

Likes no grupo "Livros"

https://www.facebook.com/groups/118522201491451/permalink/1073099386033723/

Rosario Duarte da Costa, Ana P. P. Ribeiro e Alvaro Manadelo gostam disto.

6:38 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

https://www.facebook.com/groups/366036136807459/permalink/909479232463144/

e no grupo "o que andamos a ler comentaram e gostaram:


Maria Cantinho,Ana P. P. Ribeiro, Sérgio Correia, Elvira Fernandes e
Maria João Lima

Ana P. P. Ribeiro: Já li sobre a obra no JL e muito bem...

Claudia De Sousa Dias: Atenção que quando digo que "não é literatura" não estou a diminuir a obra. Estou dizer que não pertence ao género romance, conto, poesia, drama, ou simplesmente literatura de viagens ou aquele género metaliterário que é a narrativa ou escrita diarística (que pode também ser literatura, embora muitas vezes não o seja). Trata-se de uma obra escrita em tom testemunhal que pode servir como documento histórico. Eu friso isso no texto.

6:47 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

No mural do facebook da Blogger:


Pessoas que gostam disto: Vanda Prazeres, Álvaro Araújo Rocha Vasconcelos; Walid Maciel Chaves Saad e Paula Oliveira Cruz

6:51 PM  
Blogger M. said...

"O ditador Benevolente e a Governanta perversa" faz-me lembrar o polícia bom e o polícia mau dos interrogatórios...
Muita coisa, contudo, nunca se chegará a saber, pelo menos pelas massas.
Óptima resenha, já fiquei com vontade de o ler!
Beijinhos

12:50 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Best comment ever Madalena! Thank you so much.

CSD

1:50 PM  

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