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Sunday, February 28, 2010

Doutor Copérnico de John Banville (Dom Quixote)


John Banville nasceu em Wexford, Irlanda, 1945. Foi jornalista, editor e revisor literário, tendo escrito o seu primeiro romance, intitulado Long Larkin, em 1970. Da sua obra, destacam-se os romances Nightsprawn, Birchwood, Kepler” – vencedor do prémio Guardian da Literatura, 1981 – The Newton Letter, Mefisto e The Book of Evidence. Doutor Copérnico, é o primeiro volume de uma trilogia respeitantes a cientistas e matemáticos e da qual fazem parte Kepler e The Newton Letter. Recebeu em 1976 o Prémio James Tait Black Memorial.
John Banville escreve por vezes também com o pseudónimo de Benjamin Black.

John Banville é conhecido por possuir um estilo classificado pelos especialistas de “frio e objectivo” racional e uma criatividade de inspiração. A sua maior ambição é, no entanto, dotar a sua prosa da mesma densidade e profundidade da poesia. Um certo lirismo, associado a uma aristocrática ironia e um pungente sentido da perda nos seus romances lembram segundo algunscríticos, Lolita de Nabokov, apesar de as suas influências literárias se estenderem também a Beckett e a Joyce. (Fonte: Wikipedia)

Doutor Copérnico é uma viagem ao imaginário de um astrónomo que revolucionou a visão do Homem acerca do Cosmos, ao redimensionar seu lugar no Universo, pela substituição do modelo de representação ptolemaico, o qual colocava a Terra no Centro do Universo, pela visão heliocêntrica do sistema solar. Copérnico obteve alguma resistência por parte da igreja católica, uma vez que o modelo anterior ao seu era condizente com alguns fenómenos descritos pela Bíblia e postos em causa pelo modelo posterior.

Nicolau Copérnico (Koppernick) é originário da Alta Silésia (Alemanha), cuja família se ramifica até à Cracóvia (Polónia).

A Relação do Protagonista com as restantes personagens

Ao lermos o livro verificamos que Copérnico, como não poderia deixar de ser, ocupa o lugar central na trama. Mas , mais do que isso as prestantes personagens gravitam à sua volta. Trata-se de um recurso utilizado por Banville que reproduz , assim, na construção da narrativa, o modelo conceptual que é imaginado pela personagem, para o Universo. Copérnico ocupa, por isso, na trama, o lugar que corresponde ao sol no sistema solar sendo as restantes figuras humanas os planetas - aqueles com quem se relaciona directamente – e satélites, aqueles com quem não tem um contacto directo.

O Tio Lucas, o cónego e, mais tarde, bispo torna-se o patriarca da família, após a morte dos pais de Copérnico e seus irmãos. O futuro matemático mantém uma relação de dependência com o Tio, uma vez que é este quem gere os negócios – segundo ele, em ruínas – da família, decidindo o destino dos sobrinhos.
Com Bárbara, a irmã mais velha, o jovem Copérnico estabelece, nos primeiros capítulos, uma relação de cumplicidade e refúgio afectivo. Uma ligação que se vai esboroando com o tempo, devido à separação imposta pelo Tio Lucas e pela ausência de convívio diário.

Katharina torna-se a esposa de um homem de negócios, ávido e calculista, acabando por se lhe assemelhar, o que precipita o afastamento de um irmão com quem tem muito pouco em comum.

Mas é com Andreas, o irmão mais velho, com quem tem a relação mais intensa, marcada por uma doentia miscelânea de sentimentos ambivalentes, onde se fundem amor fraternal, ódio, piedade, compaixão e desprezo. Andreas acompanha de perto o seu percurso na Polónia e, depois, em Bolonha, juntando-se-lhe na atribulada e perigosíssima travessia dos Alpes, em direcção ao Piemonte. Andreas será a sombra que irá acompanhá-lo durante grande parte da sua vida. Mais propriamente durante a juventude, até perder a beleza angelical, destruída pela sífilis. Mesmo após a sua morte, a presença de Andreas será uma constante na vida de Copérnico, surgindo-lhe nos momentos mais inesperados, como um anjo das trevas, assolando-o com dúvidas, untuosamente destiladas.
Copérnico, como todo o jovem com capacidades excepcionais dentro dos padrões da época, é alguém que, desde muito jovem, manifesta um acentuado gosto pelo estudo e uma curiosidade insaciável e um grande à-vontade na aprendizagem da lógica e da gramática.

Andreas prefere passar o tempo nas tabernas e bordéis que abundam na Itália do Renascimento, envolvendo-se em rixas e conspirações.

Banville gosta de jogar com o contraste entre um corpo belo e uma alma hedionda e vice-versa. Andreas pertence definitivamente ao primeiro tipo. O carácter inverso é incarnado por Wodka, o tímido e eruditíssimo professor de Nicolau, em Cracóvia.

O Cónego Wodka era um velho de trinta anos. Era assustadoramente feio uma figura atarracada, gorda e bamboleante, de cabeça globulosa cara marcada pelas bexigas e uma boca pequenina, encarnada e húmida.

Só os olhos, desconsolados e brilhantes, revelavam a alma triste e magoada que o corpo escondia.

Trata-se de uma das personagens mais simpáticas do romance. Esta atitude benevolente por parte do leitor deve-se ao facto de manifestar uma genuína estima pelo discípulo.

Cuidado com esses enigmas, meu jovem amigo. Exercitam o espírito mas não ensinam a viver.

O cónego alerta, assim, o seu pupilo Copérnico, então adolescente, para o lado menos são da personalidade humana: as pulsões da inveja e a obsessão pelo poder. Wodka assume, nesta fase, uma função sibilina mas cujas palavras são desvalorizadas tanto pelo físico que ostenta como pelo nome, o qual, por si só, não consegue impor respeito .

Até o seu nome, tão absolutamente inadequado, conspirava para fazer dele um palhaço, papel a que parecia ter-se resignado, pois fora com ironia que adoptara o nome de Abstemius.
Já a beleza luciferina de Andreas é como a chama maligna que acompanha o irmão até ao momento derradeiro em que este se despede da vida.

Iluminado pelo luar, o rosto pálido, magro e implacável de Andreas inclinava-se para ele sorrindo sombriamente.

A Trama

O abismo entre aquilo que o homem é capaz de conhecer, os limites da capacidade de entendimento humano e a realidade propriamente dita, cuja dimensão é inabarcável, é o tema central do livro. É a partir destes dois pólos que se estabelece a tensão ou conflito que se mantém ao longo da narrativa e impele ao seu desenvolvimento. Este foco de tensão pode resumir-se a uma frase:

Todas as coisas não passam de nomes, mas o mundo em si é uma coisa”.

Do ponto de vista de Copérnico, enquanto personagem de Banville,

…o saber não era já compreensão. O seu espírito, enveredando já apreensivamente por caminhos perigosos e até então inexplorados precisava de uma atmosfera leve e delicada de uma sensação de ar e espaço, que uma pequena Cidade como Cracóvia não lhe podia proporcionar (…).

No primeiro ano que aí passou, Nicolau assistira às batalhas, renhidas e sangrentas, entre escolásticos húngaros e humanistas alemães.

Nicolau está, no entanto, atento às notícias que vão chegando das descobertas dos Povos hispânicos que lhe chegam aos ouvidos e contribuem largamente para sustentar o seu modelo teórico da concepção do universo.

Nicolau de Banville

A personagem Copérnico criada por John Banville apresenta-se-nos como um cientista dotado de uma capacidade de aquisição de conhecimento e sentido crítico, como já foi mencionado, fora de vulgar. No entanto, trata-se de um homem tímido, que receia emoções fortes e se refugia no conhecimento. Isto porque a erudição transforma em ordem dócil o pavoroso tumulto e o caos do mundo exterior à sua pessoa.

O mundo académico de Cracóvia torna-se pequeno para o génio de Copérnico que se vê na necessidade de emigrar. O destino escolhido é Itália e a Universidade de Bolonha. A travessia do Alpes é penosa, dura, cheia de peripécias. E a vida dos viajantes é posta à prova a a partir do momento em que tomam consciência de que, no grupo, está infiltrada uma quadrilha de criminosos violentos. Roubo e violação passam a fazer parte da memória de Copérnico relacionado com a mesma travessia. A surpresa e horror surgem mediante a capacidade de anestesia emocional enquanto observa a cena cuja dureza se assemelha a um quadro representativo de uma paisagem humana em tudo similar ao Inferno, pintado por Hieronymous Bosch.

Também a descrição da beleza gélida da paisagem alpina perece exprimir mais a sensibilidade primitiva do Autor para as artes plásticas, antes de se dedicar à literatura:

A região era irreal, uma Ultima Thule, gelada e ardente (…). Até o clima era estranho, dias imensos, azulados, vítreos, de Primavera alpina, um sol impiedoso, todo ele luz, quase sem calor, céus transparentes, trespassados por cumes cobertos de neve.

Itália

Em Bolonha, Nicolau Copérnico prossegue a segunda etapa dos seus estudos. Apesar de estranhar o clima da cidade, o temperamento exuberante o timbre estridente das vozes italianas e a sua desorganização, sente-se no seu meio. Isto porque Bolonha parece fervilhar de exaltadas discussões científicas. É convidado a participar em tertúlias, algumas inclusivamente algo estranhas, envolvendo gnósticos, pitagóricos, com um leve cheirinho a maçonaria. Não se envolve muito em questões metafísicas. O seu ramo é a Matemática e a Astronomia. No entanto, em termos sociais, para ele Bolonha era uma cidade de loucos e figuras grotescas e no entanto ele não passava despercebido com a sua longa capa e o seu rosto severo e fanático (…). Detestava-a e detestava o seu calor omnipresente, o cheiro a podridão, o alarido infantil, a indolência, e corrupção, a desordem.

E…

Sentiu uma repentina saudade dos fins de tarde do Norte, límpidos e cor de nácar, cheios de silêncio e de nuvens.
A cidade de Bolonha é, em termos sociais, muito mais compatível com o temperamento de Andreas que se sente, aí, como um peixe na água – mesmo após seguirem caminhos diferentes, o aparecimento (casual ou não) de Andreas no caminho do irmão dá-se sempre numa envolvência de maldição, sobretudo após a perda da beleza angélica, minada pela sífilis e pelo álcool.

A presença feminina em Doutor Copérnico

Anna Schillings, uma parente distante que Copérnico acolhe como governanta no mosteiro que dirige em Frauenburg, numa fase em que se encontra já bastante entrado na idade, servirá de pretexto aos seus detractores que pretendem atirá-lo para o esquecimento, ou descreditá-lo. Sobretudo os luteranos e a Inquisição. A mulher torna-se, entretanto, indispensável como governanta e, mais tarde, como enfermeira, quando, já no final da vida, Copérnico já não pode nem mesmo querendo, dispensar a sua presença. Segundo a própria Anna, os boatos maliciosos acerca da natureza das suas relações eram o género de coisas postas a circular pelos santinhos de pau carunchoso.

Estrutura Dramática

Na primeira e segunda parte do romance, temos um narrador neutro, que vê a acção desenrolar-se como que de uma janela, através de um binóculo – ou de um telescópio – e através da qual perscruta o comportamento das pessoas, como se observasse corpos celestes.

Na terceira parte dá-se, no entanto, a introdução de uma voz discordante, à qual está subjacente uma quebra de ritmo, patente num discurso que se torna bastante mais acelerado em relação ao do narrador anterior. Esta mudança provém da alteração do ângulo de visão. Este segundo narrador participante, não sendo omnisciente, passa, no entanto, a ser parte integrante da acção. Rheticus é um velho professor que, na velhice, relata o seu breve contacto com o grande génio matemático e astrónomo que foi Copérnico, durante a juventude, altura em que Copérnico entrava já na numa fase visivelmente decadente em termos físicos. O então jovem estudante Rheticus via em Copérnico um ídolo, um modelo a quem simultaneamente admira e inveja, julgando-se muito melhor do que ele. Rheticus elogia Copérnico na sua presença, mas passa a vida a depreciá-lo nos seus escritos/diários. Deixa, também, entrever um forte antagonismo em relação a Anna Schillings, pela importância de que goza na vida do Mestre. No entanto, a aversão de Rheticus estende-se às mulheres em geral, parecendo manifestar uma preferência algo suspeita pela companhia de jovens efebos.

Os últimos dias da vida de Copérnico são, segundo Rheticus, assolados pela depressão, devido à tomada de consciência da proximidade da morte:

A brevidade da vida, o embotamento dos sentidos, o torpor da indiferença e das ocupações inúteis. Só muito pouco nos permitem conhecer e com o tempo o olvido (…) rouba-nos até esse pouco que sabíamos.

Rheticus afirmava, ainda no final da terceira parte, que o cepticismo corroía a alma de Copérnico, destruindo-lhe as ilusões de fama e de glória em Frauenburg, o mosteiro onde se refugia:

Frauenburg matou o que de melhor havia em mim, a minha juventude e o meu entusiasmo, a minha felicidade e a minha fé… (…) Daí em diante nunca mais acreditei em nada, nem em Deus nem no Homem.
A morte do cientista vem apenas confirmar aquilo que se intui das atitudes de Rheticus e da sua relação com Copérnico ser apenas fruto de um interesse motivado pelo desejo de reconhecimento no meio intelectual e não proveniente de um afecto genuíno.

A notícia não me comoveu nem um pouco: vivo ou morto Copérnico já não fazia parte dos meus planos.

Andreas Osiander, luterano e reitor da universidade onde Rheticus estudava, destitui-o de qualquer responsabilidade na pela publicação da obra do seu Mestre. Este afastamento teve como pretexto uma conduta sexual ambígua, reputação de que Rheticus culpa Nicolau por este lhe ter colocado no caminho, como mensageiro, o belo efebo Raphäel, seu escudeiro, despertando fortes suspeitas nos moralistas luteranos. Rheticus julga-se vítima de uma cabala urdida por Osiander, pelo Cónego Dantiscus, rival e admirador de Copérnico, o Cónego Giese e o próprio Copérnico que lhes teria fornecido os meios para macular-lhe a reputação facultando-lhe a proximidade do belo adolescente Raphaël.

Com a quarta parte, regressa o primeiro narrado . Banville brinda-nos com mais uma espectacular descrição de uma paisagem gelada e da claridade feérica, mágica, da Primavera na costa da Alemanha do Norte.Um cenário quase mitológico com que ilustra os últimos dias daquele que foi médico, astrónomo e matemático.

A experiência do AVC é contada de forma violenta, como uma explosão de dor, a que se segue e descrição da experiência da humilhação de depender dos outros para as necessidades mais básicas. O momento do AVC é apenas o início de uma via dolorosa que marca um calvário que medeia o momento em que se dá a trombose e a morte propriamente dita: um corredor que desemboca na antecâmara da morte, povoada de sonhos visões e misticismo.

Do outro lado, das visitas, a realidade aparece-nos como feia, hedionda, devido ao cheiro da sujidade, quase permanente, devido ao acumular das disfunções do organismo, que anunciam a proximidade da morte. Só a dedicação de Anna constituiu um bálsamo apaziguador para o doente. O que a faz conquistar o respeito daqueles que, antes, os perseguiam a ambos.

O segundo AVC traz, já, a privação da fala, juntamente com a visita inoportuna de Osiander. Mas tudo deixa de ter importância. O protagonista sente, no entanto, a dor da tomada de consciência de que o melhor da vida se lhe escapou por entre os dedos.

As últimas páginas do romance são dedicadas à forma como se sente escorregar para o abismo, inexorável e como que sugado para um buraco negro, marcado por um terror pânico, povoado de alucinações:

As paredes da torre tinham perdido a solidez, eram planos de escuridão, de onde irrompiam agora, elevando-se no ar com as suas asas turvas, a grande ave metálica, deixando atrás de si um rasto de chamas e levando no bico a esfera ígnea, não já sozinha mas precedendo um bando de outras aves da mesma espécie, todas em chamas, todas cintilantes, terríveis e magnificas, irrompendo das trevas, soltando guinchos.

Harpias fúrias ou erínias, as aves anunciam ao medo da dor ou do mundo desconhecido que se avizinha. No derradeiro momento, Copérnico volta a sonhar com o irmão, o qual surge agora como um anjo das trevas ao mesmo tempo que se apercebe das movimentações no quarto por parte daqueles que preparam as cerimónias fúnebres.

E através de um diálogo imaginário com o irmão, Andreas, que lhe surge a Copérnico num sonho, o Autor parece cria uma intertextualidade com a última cena de A última tentação de Cristo de Nikos Kazantzakis. A conversa entre ambos o momento alto da narrativa e a chave que dá sentido ao romance.

Por último, a paisagem do Báltico adquire, no momento em que abandona a existência terrena, os tons de azul e verde. O verde das tílias, cor que, na escrita de Banville, é associada ao amor e o azul do céu e do mar associado à imensidão, à ideia de infinitude.

Um romance belo, intenso, complexo e apaixonante.

Cláudia de Sousa Dias

4 Comments:

Blogger Gerana Damulakis said...

Deve ser ótimo, adoro Banville.

10:49 PM  
Blogger Carlos Paiva said...

Cara Cláudia,

Parabéns pelo teu blogue, está fantástico!
A nossa equipa está a trabalhar num projecto que tem previsto um espaço para crítica literária, gostava muito de associar um link ao teu blogue...

Falaremos brevemente.

PS: Aproveito para sugerir um livro que me marcou profundamente. Retrata a realidade da sociedade indiana, "O Tigre Branco" de Aravind Adiga, vencedor do Man Booker Prize 2008.

Um beijinho e boas leituras!

Carlos Paiva

12:17 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Espectacular, Gerana...

Não é um autor fácil e, por isso mesmoa sua leitura não é generalizada.

Mas é excelente.


csd

10:12 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

obrigada, Carlos!

Sim, já ouvi falar muito bem de Aravind...


:-)

csd

10:13 AM  

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