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Tuesday, May 06, 2008

“Os Mistérios de Havana” de Zoe Valdés (Dom Quixote)


Zoe Valdés é natural de Havana, nascida em 1959 e vive, actualmente, em Paris. Frequentou a Universidade de La Habana, onde estudou Filologia, tendo colaborado com a UNESCO na Delegação de Cuba e no Gabinete Cultural da Embaixada de Cuba em Paris. Foi guionista de cinema e subdirectora da Revista de Cine Cubano no Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica até Dezembro de 1994.

Até aí tinha já publicado: dois volumes de poesia –
Respuesta para vivir e Todo para una Sombra –, a colectânea de contos Traficantes de Belleza e os romances La nada quotidiana, Ira de Angeles e La Hija del Embajador, este último vencedor do Prémio Novela Breve Juan March Cencillo, 1996. Publicou, ainda, Te dí la vida entera - finalista do Prémio Planeta, 1996 e Café Nostalgía. Em Portugal, foram publicados os romances Querido Primeiro Amor e Milagre em Miami.

Mistérios de Havana é, por sua vez, uma compilação de contos e lendas do imaginário tradicional cubano, ou então, de figuras carismáticas retiradas da História de Cuba, homens e mulheres que deixaram a sua marca na memória colectiva e que foram, por sua vez, transformados em mito por via da tradição oral.

Zoe Valdés recria, desta forma, muitos destes episódios transformados em lenda, após serem recontados ao longo de sucessivas gerações correspondendo, cada um deles a um cenário da capital cubana quer antes quer depois da Revolução, dando lugar a vários paralelismos e analogias entre épocas diferentes e encontrando padrões de comportamento recorrentes que se vão repetindo ao longo do tempo e que caracterizam a maneira de ser do povo
habanero.

Sonhos, visões, premonições, cartas, biografias, relatos são o ponto de partida para várias estórias, (re)construídas, na maior parte das vezes, a partir de documentos cuidadosamente guardados ou de depoimentos de testemunhas oculares que inspiraram a Autora, a qual, a partir daí, parte para a montagem das peças do puzzlle que engloba vários episódios históricos da cidade de Havana, polvilhando-os com uma pitada de realismo mágico, misturado com um pouco de ficção como acontece na belíssima estória intitulada A Pena de José Martí.

O objectivo da Autora é o de mostrar a História e a Cultura cubana do ponto de vista poético e fazer o levantamento de lendas e tradições às quaisl adiciona a componente ficcional.

Jorge Manach, cronista habanero a quem a autora dedica a obra, afirma que "o tradicionalismo mais não é que uma nostalgia, uma atitude estética para com o passado…”.

Zoe Valdés publicou o presente livro na Colômbia e depois em Espanha, encontrando sérias dificuldades em conseguir a autorização da sua publicação em Cuba, o que não surpreende ninguém que percorra as páginas de Os Mistérios de Havana, visto que alguns dos episódios contados, apesar de conterem uma forte dose de ficção, adquirem um teor crítico face ao regime político de Fidel Castro, tornam o livro assaz inconveniente, para um chefe de estado que não admite que a sua autoridade seja posta em causa, omitindo a todo o custo toda e qualquer falha ou contradição decorrente das suas decisões políticas menos felizes.

Mas também os amores trágicos, os choques culturais provenientes do colonialismo, em estórias como Habanaguana – uma possível explicação, ou várias, para o nome da capital cubana – ou a prepotência de uma classe dominante, patente na frieza com que se executa um crime teor passional perpetrado com a precisão e a minúcia dos movimentos de um cortador de carnes verdes, as origens multiraciais dos ritmos da música cubana, a beleza fatal de duas crioulas matadoras, são outros dos temas escolhidos e que inspiram a fertilíssima imaginação e criatividade de Zoe Valdés. Assim como a figura de um esteta, homem das lides políticas, crítico literário e de moda, bem como as suas paixões, que servem, também, de motivo de inspiração para um conto um pouco autobiográfico onde o exílio surge como solução face à incompatibilidade entre a livre expressão e o desenvolvimento intelectual dentro de um regime autocrático – apesar de a estória se passar no século XIX – onde domina um cenário propenso à criação de mal-entendidos, onde vigora um regime censório. Mesmo assim há, ainda, espaço para o nascimento de uma amizade que consegue atravessar a distância de um oceano.

As lendas continuam a ser desfiadas como as contas de um rosário.

Uma deleas é a decorrente do misterioso desaparecimento de uma criança que dá origem às hipóteses mais mirabolantes, o mesmo acontecendo com a presença de fantasmas e misteriosas aparições – mistura de elementos factuais com ficção e sonho, têm também lugar nos Mistérios… de Valdés.

É desta forma que nos apercebemos que as arbitrariedades que tiveram lugar no último quartel do século XIX continuam a marcar presença ao longo de todo o século XX como faz notar o narrador de Os oito Estudantes de Medicina.

O erotismo também marca a sua presença, sobretudo em estórias como A condessa Crioula, onde se fala de dois amantes intelectuais que mantém a paixão na sombra, devido aos respectivos casamentos de conveniência decretados pela família…uma conflito entre a ética individual e a pseudo-moral familiar. Um tema recorrente no imaginário da Autora.

Também o abismo entre a lenda e a realidade dos factos, atestados por documentos históricos, mostra a acentuada “queda” para o romantismo, a tragédia, as paixões dramáticas e violentas em lendas como a de Santa Flora.
O idealismo romântico e o pronunciado gosto pela Utopia que envolve as relações afectivas são projectados em estórias como a do intelectual sonhador, de origem germânica, apaixonado por negras e mestiças de Cuba, pela comida local e pelo clima dos trópicos, como ilustra o sugestivo título O Barão Alemão da esquina da Rua dos Inquisidores com a Rua da Muralha.

A lenda do belo mulato de olhos verdes – Andrés Petit – dá-nos uma descrição física que se repete por várias vezes em personagens masculinas valdesianas detentoras de forte carisma sexual, a sugerir o ideal de beleza e sensualidade masculinas, presentes no imaginário da Autora e transportado para a sua escrita.
A estória do feiticeiro e curandeiro Andrés Petit deixa a dúvida no ar em relação às suas origens e morte, envolvidas em mistério, acerca das quais não há versão unânime. Fica assim, cristalizado para a posteridade, o carisma de um Rasputine cubano…

Os amores clandestinos da aristocrata e idealista Emília Casanova, do marido Eugéne, da crioula Cecília Valdés e do jornalista-escritor, Cirillo Villaverde, formam um quarteto invulgar cujas paixões momentâneas os levam, numa quente tarde de Verão, a ingressar nos prazeres do swing, são os quatro pilares de um conto de grande ousadia…

Sequem-se os poetas que caminham no limiar da lucidez e da loucura como no conto O Observador Invisível, a trágica estória de Juan Clemente Zenea e de Adah Menkhen, numa terra e num lugar onde as vozes visionárias dos poetas soam como as trombetas do juízo final nos regimes despóticos, onde são, normalmente, encarceradas e abafadas atrás dos muros das prisões…

Dos Mistérios… habaneros fazem parte, também, estórias contadas no feminino, como a da precoce e sobredotada menina-poeta, Juana Borrero, que compôs um brilhante texto erótico com apenas doze anos de idade e que a Autora enquadra num conto sublime intitulado de A Virgem Triste.

Mas dos Mistérios de Havana fazem parte, também, estórias contadas exclusivamente no masculino. Como a da paixão impossível do poeta pelo general, cuja marca principal é a da intensa electricidade expressa num erotismo contido, mais sugerido do que explícito, num requintado quarto do Hotel Inglaterra, à média luz…

Outra estranha e surpreendente forma de (d)escrever o erotismo é-nos revelada através da inverosímil afinidade entre uma aristocrata e uma estranha turba de macacos cujo amor à dona permanece intacto e fiel até à morte, numa estranha alegoria de um amor que supera as diferenças de carácter intelectual.

Por outro lado, a importância das afinidades intelectuais é, também, destacada numa estória de amizade, onde duas mulheres de inteligência invulgar, embora provenientes de épocas e origens sociais diferentes, trocam impressões acerca daquilo que sentem relativamente à problemática que afecta a vida de ambas: o exílio. Uma, no passado, e outra, num futuro muito próximo.

Os pregões tradicionais do início do século XIX, proibidos pelo regime de El Comandante-en-Jefe, como El Manisero e a presença das notas sopradas pela flauta de Pã do amolador de navalhas, são também motivos para elaborar uma estória assim como a hipocrisia de um estado que tenta ocultar uma das principais chagas sociais que pulula nas ruas de Havana: a miséria e a crueldade indiferente do Estado para com aqueles que sofrem na pele as consequências dessa carestia – sobretudo as crianças – na estória Marta Abreu visita o Paseo del Prado,72.

Da mesma forma, a invulgar circunstância de uma mulher hermafrodita que hesita entre duas orientações sexuais opostas em Paulina, a grande, no Teatro de Shangai, faz parte do insólito que povoa a o imaginário colectivo das gentes de Cuba e dos Mistérios Valdesianos.


Recheada de realismo mágico é, tal como A Pena de José Martí, a lenda de um feitiço de beleza e juventude no conto intitulado Catalina e a Rosa de Carne assim como o insustentável peso da fatalidade na pequena estória a que a Autora dá o título de A Milagreira.
Após o drama segue-se um divertido episódio que descreve uma hilariante confusão num funeral, atribuída ao carácter brincalhão do defunto, cujo espírito se supõe andar pelas imediações a semear a discórdia…
Segue-se uma estória de guerra civil, emanada do sub mundo ligado à prostituição, onde dois bandos rivais se defrontam pelo domínio do território. O conflito estala entre Yarini e Radamés, dois proxenetas de bairros vizinhos, desembocando numa rixa monumental que culmina na batalha de San Quintín entre franceses e cubanos…tudo por causa das putas…(sic).

Depois é o fantasma de Jorge Manach que aparece a uma menina, vestindo a pele de Lujan, a sua criação literária, o seu alter-ego, num sonho erótico a diluir as fronteiras entre passado e presente…

A síndrome do exílio, a nostalgia da cidade e a saudade da família continuam a guiar a pena de Zoe Valdês no relato O Peregrino Imóvel, numa crítica (in)directa a Fidel.

São muitas as farpas e virotes apontados quer de forma explicita, quer nas entrelinhas ao Comediante-en-jefe (sic), tal como é satiricamente parodiado Fidel Castro nalguns dos seus relatos mais violentos. Verificámos que, na realidade, à medida que os mistérios e as lendas da cidade de Havana vão avançando no tempo, o teor da escrita de Valdés vai-se tornando progressivamente mais violento e menos romântico: a linguagem apaixonada e sonhadora, contida nas frases dos primeiros textos que envolve as personagens na neblina do Tempo, neblina essa que tempera os sentimentos mais violentos, vai dando lugar a um discurso transbordante de fel, cuja acidez é ampliada pelo calor esturricante do eterno verão cubano, onde as variações de temperatura praticamente não existem ao longo do ano.
A alegoria da Miséria prossegue, encarnada num mendigo que julga ser a reencarnação de Vítor Hugo – um “miserável”. Um retrato contundente daquilo em que se transformaram as ruas de Havana, ou melhor, da Havana à qual não têm acesso os turistas – uma cidade suja e faminta que tenta passar uma falsa imagem de sofisticação, é-nos dada a conhecer em O Cavalheiro de Paris.
Menos directa e mais subtil, o conto Flor dedicado a uma insólita poetisa, a mais nova dos irmãos Loynez, dotada de tal sentido de independência que não hesita em apagar a própria beleza para não ser objecto de disputa ou posse masculina. Uma atitude que é confundida com loucura, como geralmente acontece com aqueles que defendem as próprias convicções entrando em choque com as normas de conduta social em vigor ou quando essas mesmas convicções entram em conflito com a opinião da maioria.
Por seu lado, Carlos Manuel, irmão de Flor, poeta também, revela uma acentuada tendência para a auto-destruição, enquanto que Enrique, o outro irmão, sofre de fotofobia renegando a luz e assumindo-se como o poeta apaixonando pela Noite.
Menos insólita mas igualmente pouco verosímil é a lenda da dançarina de rumba Alicia Paula e um suposto exílio da mesma com o sedutor Errol Flynn.
Já o despudor, presente no conto A Chinesa, é uma machadada no tradicional machismo latino, introduzida no imaginário cubano, através de uma curiosa inversão de papéis - num conto cheio de humor onde uma mendiga assedia violentamente os homens que se cruzam com ela na rua.
Também o mito do boxeur habanero de Kid Chocolate pôs-te K.O. exibe o talento para a efabulação do povo cubano.
A estórias continuam com os relatos dos excluídos, enlouquecidos e miseráveis que deambulam pelas ruas de Havana, enfatizando a hipocrisia de todo um regime como em O Equilibrista dos Contentores ou em A Marquesa do Tencent – esta a história de uma anciã, pateticamente aprisionada no passado. A crítica social, impertinente e pícara, d’As Anedotas de Pepito – a fazerem lembrar o “Joãozinho” português – que se serve da sua suposta inocência para parodiar descaradamente o regime, é um dos relatos mais virulentos de toda a obra.
Mas é com alegoria da mais grotesca Miséria, da Fome e da Sede de O Pior dos Verões que Valdés atinge um grau de violência na escrita que raia a obscenidade.

Por último, a autora finaliza este conjunto de estórias com dois relatos satíricos cujo intuito seria o de exibir a mediocridade dos falsos intelectuais que vêem em Miami o paraísos das suas ocas vaidades. Enquanto isso, a narradora sonha, pelo contrário, com a fusão entre a Havana natal com o alegre veaudeville a evocar a belle époque da capital francesa preferindo, de longe, a sua fantasia à boçalidade americana.


Os Mistérios de Havana são, portanto, um conjunto de “fotografias” que atravessam mais de dois séculos de episódios insólitos, numa terra onde os tiranos não conseguem apagar a alegria de viver e a vivacidade de um povo, cuja liberdade de expressão só se consegue manifestar, na sua plenitude, na distância imposta pelo exílio…


Cláudia de Sousa Dias

18 Comments:

Blogger Rui said...

Promete. Bom livro. Fotografias. Acompanhados por um mojito e um charuto.

7:53 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Boa sugestão.

O único defeito que tenho a apontar-lhe e que me esqueci de mencionar no texto, é a tradução...há duas ou três frases que caem na franca vulgaridade, ao invés de optar por um discurso mais brejeiro e condizente com o resto do texto ao longo da obra.


CSD

5:29 PM  
Blogger Pedro said...

Poético... Lendas e tradições, cultura, "fotografias". Um livro que nos deve deliciar.

9:46 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É,giro,é verdade.

Mas obra-prima é o livro de que fala o post anterior, o "Danúbio".


Mas este tem o humor sul-americano...


CSD

11:06 PM  
Anonymous Anonymous said...

cara claudia, venho numa missão especial para te convidar a vires amanhã ao lançamento do meu livro, não sei se poderás vir, mas seria um prazer contar com a tua presença. um grande beijinho.

12:22 PM  
Blogger isabel mendes ferreira said...

(preciosidades...tristes).
generosidade a tua. Legente.

1:23 PM  
Anonymous Anonymous said...

amiga claudia, é muito bom saber que tentarás vir. a casa museu abel salazar é muito fácil de encontrar em são mamede infesta. o ideal será tomares a via norte e saires para leça do balio. fica muito próximo da saída e não tens dificuldade nenhuma. o evento é às 16 horas. adorava que viesses. um grande beijinho.

3:08 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

beijo à duas: Isabel e Alice.


CSD

1:30 PM  
Blogger lupuscanissignatus said...

amor

morte

paixão

exílio

sangue

crueldade

esperança

magia

realidade



A tua crónica tem o condão de abrir o apetite da leitura. Está cá a vida toda...

5:10 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

És muito amável...


Obrigada...o facto de se tratar de um livro de contos ajuda. E também o tempero cubano...


CSD

12:05 PM  
Blogger João Morgado said...

Claudia, parabéns pela sua escrita. Agradecia um contacto seu por favor, para jmorgado2@gmail.com. Assunto: literaturas
Cumprimentos João Morgado 968812971

10:58 AM  
Blogger inominável said...

a comprar, portanto. mais um, caramba...

parece-me bastante diferente de um Gutierrez (que tb não me desagrada assim tanto, a bem dizer) e de um Arenas (muito bom)...

9:56 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

claro que sim, João. Podemos comunicar através do e-mail do blog!


Abraço


CSD

7:04 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Ainda não li nenhum deles, inominável!

Mas pelo menos o Arenas está nos meus planos...

CSD

7:11 PM  
Anonymous Anonymous said...

Olá Cláudia

Muito obrigada pela bela escrita!Partilho, então também a minha crítica literária em www.kaminhos.com ou no blogue Leituras do Sol: http://sol.sapo.pt/blogs/Leituras/default.aspx

Um GRANDE ABRAÇO
Teresa Sá Couto (teresa.kaminhos@gmail.com

3:49 PM  
Blogger Teresa said...

Sobre o Che, li há pouco o livro do jornalista Viriato Teles, que aconselho. Ver aqui: http://www.viriatoteles.net/

Teresa Sá Couto (http://comlivros-teresa.blogspot.com/)

6:11 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada Teresa...a Zoe não fala muito do Che, uma vez que ele não é relamente cubano...ela didrige é uma crítica velada ao Fidel...


CSD

10:54 PM  
Blogger Teresa said...

Vou ler esse livro!
Neste, o Viriato Teles regista o que calcorreou à procura de ecos do Che... e também o jornalista se deixou fascinar pelo guerrilheiro. Nos meus filmes eleitos, também tenho «Os Diários de Che...» :-)

11:18 PM  

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