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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Saturday, May 05, 2007

“A Última Tentação de Cristo” de Nikos Kazantzakis (Rocco; Círculo de Leitores)


«A minha maior dor e a origem de todas as minhas alegrias e tristezas tem sido, desde a minha juventude, a incessante e implacável luta entre o espírito e a carne.

Existem, dentro de mim, as secretas e imemoriais forças do Demónio, humano e pré-humano; também moram dentro de mim, as forças humanas e pré-humanas, de Deus - e a minha alma é a arena onde se encontraram e combateram estes dois exércitos.

(…) Todo o homem participa da natureza divina tanto no seu espírito como na sua carne. É essa a razão porque o mistério de Cristo não é, simplesmente, um mistério em relação a um credo específico: é universal.


Este livro não é uma biografia; é a confissão de todo o homem que luta. Ao publicá-lo eu cumpri o meu dever; o dever de uma pessoa que muito lutou e a quem a vida trouxe muitas amarguras e muitas esperanças. Estou certo que todo o homem livre que ler este livro, tão cheio de amor (…) há-de, mais do que nunca, amar a Cristo».

Nikos Kazantzakis


Ao escolher este livro, juntamente com o filme de Scorcese, para apresentar a segunda sessão do Cineliterário, no passado dia 24 de Abril de 2007, no Auditório da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão, pensei na proximidade da data de comemoração da Páscoa, ocorrida poucas semanas antes, a juntar à pertinência das novas descobertas arqueológicas que vêm expor a dimensão humana da figura central do cristianismo. Uma faceta que é largamente explorada no romance de NK, em meados dos século XX.

Mas, ao reler a obra, cerca de quinze anos após a sua reedição em Portugal pelo Círculo de Leitores – uma versão reduzida, lapidada por alguns cortes, na altura em que era exibido o filme de Scorcese nas principais salas de cinema do País –, reparei que se trata de um hino à liberdade de expressão, acção e pensamento. E, por isso, uma obra mais do que adequada para ser apresentada na véspera do 25 de Abril. A obra de -um escritor que viu o seu livro censurado, colocado no Índex.

Um romance que lhe valeu a excomunhão.

A dimensão psicológica

A construção da dimensão psicológica da personagem Jesus Cristo o este dualismo presente na mente do Autor, que atribui ao seu Cristo uma estrutura mental inspirada no modelo de Carl Jung e na respectiva Teoria dos Arquétipos, ou seja, acerca da dualidade da alma humana, onde o Bem e o Mal, a Verdade e a Mentira, a Luz e as Trevas em conflito permanente. Consequentemente, nenhum ser humano conseguirá possuir uma estrutura mental representada por um arquétipo – modelo ou forma – puro. Nem mesmo o próprio Cristo.


Da mesma forma, estão também presentes na estrutura mental do Cristo kazantzakiano, o modelo de estruturação dos diferentes níveis de consciência de Freud o conflito entre o princípio do prazer e (id) e o princípio da realidade (ego) e também do dever, representado pela pressão social ( super-ego) de cuja máxima expressão é o zelota Judas Iscariotes.

Desta forma, mergulhamos na mente de um Cristo torturado pelo conflito entre a matéria e o espírito, no qual o trauma desencadeado pelo recalcamento leva, logo no primeiro capítulo, a que tenha uma série de sinistros sonhos que, em tudo fazem lembrar O Inferno de Dante – um escritor que exerceu bastante influência em Kazantzakis – ou um quadro do pintor alemão Hyeronimous Bosch.

É aqui que reside a semente que será o móbil da sua conduta futura à medida que vão moldando as suas convicções e objectivos: a transformação progressiva da matéria (carne) em espírito, fusão com a Divindade. Uma postura que o coloca muito próximo do Budismo (Buda é outra das grandes figuras inspiradoras do Autor).

No entanto, para as mentes mais conservadoras, habituadas ao Cristo dos Evangelhos e à imagem transmitida por Hollywood de um ser angélico, perfeito e de conduta irrepreensível, o livro poderá constituir um choque – sobretudo nos primeiros capítulos, em virtude da personalidade algo esquizóide, dominada por alucinações visuais e auditivas e uma sensação permanente de medo/terror pânico, devido à sensação constante de estar a ser perseguido. Este é um dos aspectos do romance que desencadeou algumas reacções negativas por parte das facções mais conservadoras do cristianismo.

Personagens

Nenhuma das personagens de A Última Tentação de Cristo está caracterizada da forma tradicional. A começar pelos dois protagonistas: Jesus e Judas Iscariotes. Assistimos a uma quase que inversão total de papéis onde Judas é a personalidade dominante: o zelota o que exorta à guerra e á luta pela libertação de Israel das garras da Águia Romana; Judas e Barrabás pertencem à mesma facção fundamentalista, ao conceber deus como israelita e Israel como “o povo eleito”,não havendo, no coração de Jeová ou na Lei de Moisés, ligar para o gentio, mesmo convertido. Nota-se uma intenção, senão expansionista, pelo menos um desejo de hegemonia da raça judaica em relação aos outros povos, o que desencadeia, necessariamente, um choque de culturas ou, neste caso, entre civilizações. Sobretudo em relação àquela que, na época referida, está em plena fase de expansão e disseminação da sua própria cultura: Roma.

Judas e Barrabás, como zelotas convictos, pretendem a expulsão do Romanos, que sobrecarregam os descendentes de Abraão com impostos.

Jesus, por seu lado, tem uma personalidade mutável, ou seja, não é uma personagem plana, transformando-se, à medida que a trama se desenvolve: desde a brandura inicial, ao professar o Amor – que o aproxima de Sidhartha ou Gandhi – à personagem rude, aguerrida, que regressa temperada pelo fogo após o período de retiro no deserto – um homem irascível, dado a acessos de fúria, que movimenta multidões. Atitudes que o colocam na mira da fúria vingadora dos fariseus ao mesmo tempo que despertam o receio de César. Aqui, a conduta de Jesus aproxima-se, um pouco, da do profeta Maomé, cuja exortação à luta pela liberdade e contra a exploração do capital, os zelotas confundem com guerra santa.

Quanto aos restantes apóstolos, todos, com excepção de Judas, ocupam posições periféricas. Pedro personifica o Medo, impulso que o obriga a agarrar-se a tudo o que é sólido, a procurar refúgio; André, a fidelidade; João, a doçura. Mas um dos principais golpes de audácia do Autor tem a ver com a encenação da falsa traição, que se traduz no acordo secreto entre Jesus e Judas, que decidem, em conjunto, simular uma divergência para cumprir um plano: um sacrifício cujo objectivo será o de chamar a atenção das massas face ao domínio Romano e à ditadura exercida pelos sacerdotes fariseus. N.K. converte, desta forma, o maior vilão da história num herói incompreendido. Outra das farpas apontadas à religião institucionalizada, contidas no livro, têm a ver com a forma como foram, provavelmente, escritos os evangelhos: Mateus, encarregue de registar os factos tal e qual como aconteceram “esquece-se”, por vezes, de mencionar alguns detalhes. E, por vezes, acrescenta alguns pormenores, com o objectivo de dotar os seus escritos de um pouco de “colorido” de forma a poder maravilhar os ouvintes e cativá-los mais facilmente – uma questão de marketing. – por exemplo: o milagre do “caminhar sobre as águas” tratar-se, na realidade, de um sonho de Pedro. Quando Mateus é confrontado e acusado por Cristo de escrever mentiras, este justifica-se afirmando, simplesmente, que é o Anjo quem lhe segreda as palavras que deve escrever...

Um episódio que pode muito bem ter inspirado Salman Rushdie ao escrever Os Versículos Satânicos...

Também alvo de forte polémica é o confronto com Paulo, que ocorre durante o sonho enviado por Lúcifer, durante a fracção de segundos que em que se dá o desmaio de Jesus, pouco antes de morrer. No sonho, é Paulo quem incentiva a execução de Madalena – o primeiro grande amor de Jesus e sua primeira esposa durante o referido sonho – , por esta representar aquilo que ele tem de humano. O confronto entre os dois é brutal. Mas é Paulo quem vence e quem acaba por dar à humanidade o Messias de que necessita...aquele que lhes dá a esperança de uma vida melhor, mesmo que depois da morte...Para ele Verdade e Mentira, tornam-se irrelevantes, mediante a necessidade social de um super-homem divinizado. Ou de um deus incarnado num homem. Mais uma vez, a influência do budismo através da teoria da reencarnação que aparece nas entrelinhas, com algumas modificações...do budismo, o Autor retira, também, o animismo, isto é, a crença de que todos os seres vivos possuem uma alma.

Influências Ideológicas

A pincelada do marxismo/leninismo está aqui presente nas entrelinhas quando analisamos as motivações das personagens. O Autor foi, durante alguns anos, influenciado por esta corrente ideológica – até aos anos 30 - , embora, na altura em que escreveu o romance, já se tivesse afastado dos regimes socialistas de inspiração bolchevique. O socialismo em A última Tentação de Cristo está presente na homenagem que faz ao homem simples e às necessidades das classes trabalhadoras.

Neste aspecto, o Autor identifica-se, nitidamente, com o estandarte ideológico levado a cabo por Cristo há mais de dois mil anos. Nikos Kazantzakis experimentou o idílio da vida doméstica de casado, versus a necessidade que o impelia para a luta por um ideal: a libertação da Grécia, face à ocupação turca no início do século XX. O Autor levou também durante algum tempo, uma vida ascética, retirado num convento, nas montanhas na Grécia – o mosteiro de que fala na obra situa-se, realmente, na Grécia, transpondo a experiência passada no território grego para a Palestina.

Está também patente a influência de Nietzsche, sobretudo na construção da personagem Jesus Cristo. A edificação de um super-homem, cujo principal móbil de actuação se prende com a libertação das grilhetas não só ideológicas, mas também sociais, políticas e económicas. Também no aspecto mais intimista, o Cristo de Kazantzakis procura libertar-se de tudo aquilo que lhe limita a liberdade de acção. O prazer, o medo da dor, o medo da morte. Para ele só o homem que não tem nada a perder é que poderá usufruir da liberdade absoluta: “livre é o homem que não tem nada a perder, não importando se esta liberdade absoluta é ou não uma utopia.

Por último, a figura de Odisseu, o Ulisses de Homero, serve também de inspiração para a construção de um Cristo cujo cuja necessidade de peregrinação é tão imperiosa como a mão invisível que empurra o vento do deserto, andarilho e incompatível com a vida sedentária.

A última Tentação sofrida por Jesus, já crucificado, dá-se segundos antes da sua morte, num sonho enviado por Satanás, durante o qual, Cristo, tem a oportunidade de viver a vida que deixou para trás, de usufruir daquilo que não escolheu, guiado pela mão de um lindíssimo, cândido e luminosíssimo Anjo da Guarda...Mas, ao regressar à realidade, o Super-Homem ou Homem Divinizado de inspiração Nietzschiana congratula-se pela escolha que fez: a luta contra a tentação do caminho mais fácil e o abraçar a oposição a toda e qualquer forma de tirania...

A linguagem

A linguagem poética de N.K. transforma A Última Tentação de Cristo num tesouro literário de rara beleza, uma jóia lapidada pelo uso do grego demótico , isto é, num dialecto usado pelos camponeses do interior, cuja riqueza e pluralidade de significações se perde um pouco com a tradução. Salvam-se, sobretudo, na tradução para a língua portuguesa, as metáforas utilizadas, a beleza da adjectivação, embora grande parte das sinestesias utilizadas desapareçam com a passagem para o português (nota do editor).

A carga alegórica e simbólica atribuída às aves que são mencionadas no texto – desde o corvo à andorinha, passando pelo rouxinóis e pela pomba têm tanto de bíblico como de encanto poético nas personificações utilizadas.

Apesar de explorar a origem de alguns traços culturais emanados da tradição judaica, a escrita de Kazantzakis é marcadamente helénica, como podemos verificar pela constantes referências a Caronte (o barqueiro que transporta os mortos para o Hades através do rio Estige) e ao Hades (o deus dos Infernos, na mitologia Grega).

Por todas estas razões, torna-se pertinente a aquisição de um exemplar desta tentação literária para a biblioteca privada de todos os que privilegiam o espírito crítico e a liberdade de expressão e pensamento.

Sobretudo pela intemporalidade do tema tratado e pela possibilidade de transpormos a trama para a realidade actual.

Se estabelecermos uma analogia poderemos chegar à conclusão de que, hoje,
Roma tem outro nome assim como os zelotas. E que o risco de uma nova diáspora e consequente alteração radical de todo o mapa geopolítico subjacente a uma nova ordem mundial pode ser desencadeada por essas circunstâncias, assim como o regresso de uma nova Idade das Trevas.
Algo que pode fazer pensar o habitante deste planeta, em pleno século XXI, tendo em conta os facto ocorridos durante os primeiros séculos do Anno Domini...

Um livro que não deixa ninguém indiferente e onde a beleza a audácia são a palavra de ordem.

E onde o pensamento tem asas.

Como a pomba.

Ou as andorinhas.


Cláudia de Sousa Dias

17 Comments:

Blogger o alquimista said...

Já o tenho amiga...

Os Deuses não vivem na lagoa, apenas recolhem o pranto, transformado manto de água em certas noites de encanto.


Bom domingo...


Doce beijo

1:23 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Um beijo grande amigo Alquimista!

:-)


Cláudia

8:10 PM  
Blogger Isabel Victor said...

Boa noite Cláudia ! Li-te mas ainda não li este livro ...

até me fazes inveja !

Um beijo
da
isabel

12:08 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Podes requisit-lo na biblioteca de Albufeira, Isabel!

;-)


Adorei a tua visita!

Um beijo grande

CSD

10:47 AM  
Blogger un dress said...

tenho esse livro já muito amarelito. li-o há muito!!

vou procurá-lo para relembrar...
ao ler-te percebi que me recordo mais do que é normal tantos anos passados... :)





beijO bOa nOite Cláudia*

2:15 AM  
Blogger Nilson Barcelli said...

Ando há anos para comprar esse livro, mas esqueço-me sempre de o procurar quando entro nas livrarias...
Ainda bem que falaste nele. Bem, como sempre.
Beijos.

6:32 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Ainda bem que pelo menos consigo com o meu post mater viva a memória do Autor!

É bo pertilhar as minhas leituras com leitores como tu,

Como vocês.


Bjo grande


CSD

8:13 PM  
Blogger inominável said...

muito boa sugestão, embrulhada com a melhor crítica... ainda não tenho e vou tentar encontrá-lo em Setembro, quando irei a Portugal...

PS- deixei uma coisa no meu espacito que é uma "homenagem" a um livro que ambas já lemos...

12:18 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

hmmmm...!

Vou já lá dar uma espreitadela!

CSD

5:38 PM  
Blogger Miss Alcor said...

Bem, parece fantástico!
A forma como escreves dá Vontade de ler qualquer livro!!!
Fantástico!
Mais um para a lista!

2:24 PM  
Blogger Flávia Criola said...

E este é mesmo um marco na literatura do século XX!

beijo

2:26 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Esta fLávia não é flávia, sou eu!

São os percalços que acontecem quando se usa computadores públicos...

Tem sempre que se fazer sign out sempre que se quer sair da blogosfera...

CSD

5:48 PM  
Blogger un dress said...

beijo :)

4:47 PM  
Blogger Marcos said...

Baixar o livro Nikos Kazantzakis - A Última Tentação de Cristo


http://www.4shared.com/document/kx0Jk64C/Nikos_Kazantzakis_-_A_ltima_Te.html

http://cid-4590262fea333e31.office.live.com/self.aspx/.Documents/Nikos%20Kazantzakis%20-%20A%20%c3%9altima%20Tenta%c3%a7%c3%a3o%20de%20Cristo.doc

8:11 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada, Marcos!

embora eu quisesse mesmo era vê-lo publicado. Ou ntão lembrar-me a quem emprestei para dizer-lhe que tem "V" de "volta"...


csd

1:21 PM  
Blogger Abdul Cadre said...

Gostei da sua leitura do Nikos Kazanzakis. Parabéns.
Abdul Cadre

7:11 PM  
Blogger Abdul Cadre said...

O meu volume, embora editado igualmente pelo Círculo de Leitores, tem uma capa diferente. É de 1988

7:14 PM  

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