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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Thursday, May 18, 2006

“O Horto da minha Amada” de Alfredo Bryce Echenique (Dom Quixote)


O Horto da minha Amada é uma divertida sátira social visando a alta sociedade limenha dos anos cinquenta, onde se critica o preconceito e a hipocrisia das elites conservadoras. Um romance contado num estilo reflexivo, cheio de meandros e apartes que são autênticas cutiladas sociais. O humor corrosivo de Echenique e a linguagem brejeira, isenta de vulgaridade, tornam a obra muito apetecível de ler, aliviando a pesada construção frásica a la Saramago.

A trama de O Horto da minha Amada gira à volta do adolescente Carlitos Alegre, um jovem estudante que aspira a entrar na Faculdade de Medicina, oriundo de uma das mais tradicionais famílias da alta sociedade de Lima. Carlitos trava conhecimento com dois personagens burlescos – os gémeos Céspedes – dois alpinistas sociais, provenientes de uma família nobre e arruinada que o Autor, de uma forma mordaz, coloca a viver na Rua da Amargura, um bairro que já foi residencial, mas que se encontra em estado adiantado de degradação.

Algumas das cenas mais divertidas da obra têm precisamente a ver com estes dois personagens, principalmente com as complicadas manobras de que se servem para ingressar na alta sociedade à caça de uma rica herdeira de boas famílias. O ridículo de que são revestidas as suas atitudes é enfatizado pelas tentativas patéticas de mostrarem aquilo que não são e sobretudo aquilo que não têm.

E a porta de entrada de que, descaradamente, se servem é a ingenuidade de Carlitos Alegre. Brilhante nos estudos, com uma excelente capacidade dedutiva, criativo e possuidor de uma fértil imaginação, à qual se junta uma extraordinária tendência para associar ideias, Carlitos é, em relação aos aspectos mais práticos da vida, extremamente distraído. E, por isso mesmo, um alvo fácil para os dois oportunistas que o utilizam, sem quaisquer pruridos em relação à ética – palavra que parece não figurar nos seus dicionários –, nos seus esquemas.

A boçalidade dos gémeos, conjugada com uma presunção sem limites, oferece um amplo leque de situações hilariantes. À infindável lista de gaffes perpetradas pelos gémeos, soma-se o sarcasmo mordaz do Autor cuja linguagem faz, por vezes, lembrar as cantigas de escárnio e maldizer. Duas características que tornam o romance especialmente apetitoso para o leitor minimamente dotado de sentido de humor e capacidade crítica.

Por outro lado, Carlitos Alegre, filho do conceituadíssimo Doutor Alegre, conhece a bela e sensual Natalia de Larrea, uma mulher de físico apenas equiparável ao de Ava Gardner. Milionária, com uma árvore genealógica que ascende até aos primeiros colonizadores do Perú, a jovem, trintona e divorciada, é cobiçadíssima inclusive pelas mais altas figuras da política e da alta-finança. Que não lhe perdoam o terem sido preteridas por um adolescente. Para cúmulo, existe uma diferença de idades de cerca de quinze anos entre os dois, o que é mais do que motivo para escandalizar as mentalidades mais conservadoras e puritanas da cidade. Tudo isto despoleta uma avalanche de tentativas de boicote ao romance, vindas de várias frentes: pretendentes rejeitados, família, amigos e conhecidos que não aceitam a exposição de uma situação, no seu entender, aberrante.

Natalia passa a ser vista como uma mulher fatal, corruptora de menores e, por isso, voltada ao ostracismo pela hipocrisia de quem pretende exibir uma aparência impoluta (apenas a aparência…). De forma que, aos dois amantes, nada mais resta do que refugiarem-se no horto de Natalia, uma casa de campo afastada da cidade, onde podem dar largas à fantasia e livre expressão aos seus afectos.

No horto, o casal conta com a cumplicidade dos caseiros – um casal de italianos imigrados no Perú – e do sisudo Molina, o motorista de ar aristocrático e de aspecto nórdico, quase tão invejado pelos irmãos Céspedes como a limousine que conduz. A protecção de Molina, sempre que ajuda Carlitos a sair das complicadas tramas em que o envolvem os gémeos Céspedes, juntamente com o seu humor britânico e a acidez do seu sentido crítico, tornam-no num personagem especialmente simpático do ponto de vista do leitor.

O mesmo se passa com a ternurenta mulher-criança Melanie Smith cuja amizade com Carlitos Alegre vai, progressivamente, aumentando à medida que a trama progride. É graças a Mélanie que nos apercebemos que a paixão de Carlitos e Natalia é de tal forma absorvente que quase impede qualquer outro tipo de contacto social. E é, também, através da candura da ruivinha aristocrata anglo-peruana que tomamos consciência da falta de uma companhia da mesma idade com o mesmo tipo de linguagem e interesses na vida de Carlitos Alegre.

E é neste aspecto que tomamos consciência do significado idiomático da expressão castelhana “levar alguém ao horto” com o significado de levar alguém para a cama usando de artifícios ou manipulação. A paixão de Natalia começa a atingir laivos de obsessão, levando-a a isolar Carlitos de toda e qualquer companhia. Primeiro, levando-o para o horto e, depois, para o estrangeiro, onde dependerá somente dela. Com o passar dos anos, a paixão de Carlitos e Natalia vai-se degradando progressivamente. O sentimento de posse e ciúme obsessivo tornará insuportável a vida a dois, à medida que as características negativas da personalidade de Natalia vão ficando cada vez mais vincadas.

No final, predomina o despeito e o desamor, tornando o caminho da relação irreversível.
A grande mais valia do romance está em mostrar que a personalidade não é algo de estático e que, ao longo da vida, há traços que se salientam em detrimento de outros que acabam por ficar em segundo plano, pela interacção com o meio. E, neste caso, o meio molda a personalidade de Natalia. Além de sofrer a rejeição social, Natália recusa-se a aceitar a inevitabilidade do seu próprio envelhecimento e, muito menos, ver-se preterida por outra mulher a quem considera muito menos bela do que ela própria.

Aos gémeos Céspedes, porém, está reservado um final à sua medida: conseguem, em parte, lograr os seus objectivos mas, apesar de tudo o tiro sai-lhes pela culatra. Encontram as respectivas almas gémeas mas, a escalada social não é exactamente aquilo que esperavam...

O grande objectivo do Autor é o de frisar é a convicção de que, a mediocridade, por mais que se empenhe, nunca consegue atingir o topo porque não só não possui o potencial, como também selecciona os métodos errados para atingir os seus objectivos.

O final mostra o idealismo e o optimismo de alguém que acredita fortemente na meritocracia, ou seja, no triunfo dos melhores, sem cair, contudo, na ingenuidade de descurar a influência do meio social no que respeita ao acesso à educação e à abertura das portas do sucesso profissional.

Em relação à abordagem do romance entre Carlitos e Natália há dois pontos de vista que podem ser observados: em primeiro lugar, o ponto de vista do “outro”, isto é a forma como a sociedade o encara e, para tal, o Autor serve-se de uma epígrafe de Barnave, para introduzir a linha de orientação em que se irá desenvolver o romance – Voila donc le miracle de votre civilization! De l’amour vous avez fait une affaire ordinaire - ; em segundo lugar, o ponto de vista dos dois protagonistas, isto é, a cegueira, a loucura da paixão voraz que quase que os esvazia de conteúdo em relação a todos os outros aspectos da vida e que Echenique ilustra com uma citação de Stendhal – La duchesse se jeta au cou de Fabrice, et tomba dans un évanouissement qui dura une heure et donna des craintes d’abord pour sa vie, et ensuite pour sa raison.

O estilo de Alfredo Bryce Echenique coloca em destaque uma acentuada veia humorística, com um colorido muito particular, mas e certa forma aparentado com o do escritor galego Gonzalo Torrente Ballester, ao evidenciar a ironia fina com que chicoteia alguns tipos sociais – entremeada com apartes que correspondem à voz do narrador dentro da própria narrativa, dotando-a de um discurso reflexivo, aparentemente caótico, cheio de meandros, mas extremamente divertido. Onde o preciosismo dos detalhes é levado ao extremo. Por vezes a inspiração vem também de Stendhal – Il n’y a d’originalité et de verité que dans les details

Apesar de a estrutura formal na escrita de Echenique se assemelhar um pouco à de Saramago – por vezes um período chega a ocupar uma página inteira – o humor corrosivo do Autor faz com que as páginas se virem compulsivamente na volúpia, refinada até ao extremo da arte da maledicência.

Para quem gostar de rir e brincar com as situações do quotidiano.

Para os amantes do bom gosto, o mais elevado expoente na escrita de escárnio e maldizer.


Cláudia de Sousa Dias

15 Comments:

Blogger Claudia Sousa Dias said...

A decadência das élites, muitas vezes, não é só financeira, Pirata!

Também se manifesta, por vezes, nos valores, na aquisição de cultura, na perda de potencial intelectual...
Em suma no empobrecimento do espírito!

CSD

12:09 PM  
Blogger jp(JoanaPestana) said...

Essa do empobrecimento do espírito é do melhor AmeixaClaudia.
e então como é que é?
alinhas ou nem por isso?
beijo

10:38 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Eu alinho! Estarei lá! Só ainda não decidi se fico na residencial ou não...

Tenho que falar com a Maria Heli para saber se ela também vai e também de saber os planos do meu darling para o próximo fim de semana...

No máximo até amanhã à noite dou-te a resposta. A ti e à Diva!

Um beijinho muito grande!

CSD

CSD

12:27 PM  
Blogger GNM said...

Cláudia,
Bem sei que és de longe
de Lisboa!
Mas deixei-te um conite
no EXTRANUMERÁRIO e gostaria
muito que aceitasses!

Continua sorrir!

2:56 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Vou tentar!

Até lá vou ver como é que corre a minha vida porque estou jobless e e os bilhetes do ALfa Pendular estão pela hora da morte!

Mas penso que até lá a situação ficará resolvida!

Espero eu...
CSD

5:03 PM  
Blogger Lauro António said...

olá claudia. Como vai a vida? Então de darling? afinal parece que a aproximação resultou. Nao ha nada como cens de filmes. lol
Muitas leituras ou nem por isso? E o fim de semana na Ria foi bom? Beijos, atye u dia por ai, ou por aqui.

6:09 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É verdade, lite_rario!

sÓ que não consegui estar presente no fim-de-semana na Ria!

Perdi o combóio que fazia a ligação para Aveiro!

As leituras continuam e espero postar mais dois textos esta semana!

Beijinhos e espero que até breve seja em Aveiro ou Famalicão!

CSD

8:06 PM  
Blogger free emotions said...

o horto não me agrada mas esta critica lida por ti torna este romance de alcova um livro desejado na minha cabeceira

beijos

9:52 PM  
Blogger Lauro António said...

Minha querida nao sou de Aveiro. Lisboa, quando por aqui passares, ou famalicão, quando por ai me detiver. Brevemente nos veremos, creio. Entretanto, escreve.

12:59 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Free emotions, é uma querida!

Beijinhos à tua princesa!

Lite_rário, é claro que sim!

Não sei quando irei a Lisboa, mas se calhar só no Verão. Nessa altura ~vou aproveitar para (re)ver alguns amigos como a Elipse e a JPe conhecer o Extranumerário.

Já agora aproveito para mandar beijinhos a todos:0)

CSD

5:09 PM  
Blogger jp(JoanaPestana) said...

Beijinhos AmeixaClaudia
;-)

2:54 AM  
Anonymous Anonymous said...

I really enjoyed looking at your site, I found it very helpful indeed, keep up the good work.
»

2:50 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

dear anonymous,

I can't say how happy I am with your visit!

But I can't help being curious:did you use a translator or you had simply read it in portuguese?

I really enjoy your coments.

Sincerely

CSD

6:58 PM  
Anonymous Anonymous said...

Very pretty site! Keep working. thnx!
»

7:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Olá Claudia, fiquei mto contente depois de perceber que no seu blog a uma referencia a um livro da literatura peruana, considerando que eu sou peruano. O Bryce é simplesmente genial, qq livro dele é bom.

4:33 AM  

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