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Friday, June 24, 2005

“Doze Histórias de Mulheres” – Vários (Dom Quixote)


Doze Histórias de Mulheres é uma antologia de contos que reúne várias autoras de origem Ibérica, sendo elas seis de origem Portuguesa e seis de origem espanhola.

Estas mini-histórias tratam, sobretudo, de explorar emoções e comportamentos humanos que são, na sua maior parte, inerentes à cultura dos Países Ibéricos e que foram sendo cristalizados no inconsciente colectivo pelas contingências da História.

Os dois contos iniciais chegam-nos do país vizinho pela pena de Carme RieraA Reportagem – e Esther TusquetsAs subtis Leis da Simetria.  Trata-se de duas histórias que mexem com os tabus sexuais numa sociedade ainda muito condicionada pelo peso do catolicismo. A história de Carme Riera diz respeito a uma pequena comunidade na ilha de Maiorca, onde o leitor toma contacto com a forma violenta como aquela sociedade, fechada e profundamente tradicional, reage à transgressão. Talvez aquilo que mais choque o leitor (desprevenido) nos dias de hoje seja o notório peso da culpa que se sente nos obstinados silêncios com que os habitantes da ilha respondem sempre que questionados sobre uma tragédia ocorrida cerca de quarenta anos antes e sobre a qual ninguém se quer pronunciar: reina, ali, uma espécie de Omertà siciliana. Trata-se, no entanto, de uma história assaz suculenta, que agarra imediatamente o leitor com as suas frases enigmáticas, povoadas de subentendidos, dando origem a uma irresistível envolvente de mistério. A atmosfera criada por Carme Riera tresanda a transgressão, implícita na forma como as personagens secundárias tentam, a todo o custo, ocultar os factos. Um conto que fala de conflito entre culturas, da agressão aos costumes locais por forasteiros, do medo da exposição e quebra dos padrões de conduta social.

Esther Tusquets, aborda a problemática daquilo que se pode considerar como adultério dentro de uma relação, quando as regras entre o casal não estão bem definidas ou são subitamente alteradas por um dos cônjuges. Ou de como o peso da tradição judaico-cristã se impõe ainda quando alguém se quer assumir como "à frente do seu tempo". Outro aspecto a realçar é a lucidez expressa pelo narrador no tocante à percepção do momento exacto de quando deve uma relação acabar para, de imediato, ser colocado, de forma taxativa e irrevogável, um ponto final. O narrador apresenta um discurso profundamente emotivo, contado na primeira pessoa. Poderá parecer um texto algo caótico na forma, mas exibe, no entanto, um preciosismo extremo quando se trata de descrever as nuances que compõem cada estado de alma em particular, ou de elaborar um quadro de emoções comparável apenas à forma como os grandes génios da pintura manipulam a cor. O tema central é, nada mais, nada menos, do que a lei do boomerang nas relações afectivas. Um brilhante trabalho de introspecção contado, inteiramente, numa óptica psicológica em que o leitor se sente como psicanalista que ouve o paciente no divã.

Seguem-se as seis autoras portuguesas. A começar por Helena Marques que nos apresenta A Mulher sem Rugas onde o discurso do narrador nos dá a conhecer uma personagem feminina, Vera, casada com o trabalho, emancipada, independente, mas sem descurar a sua feminilidade, tratando da manutenção da sua beleza e forma física com um zelo quase obsessivo, enquanto pensa no relógio biológico e num amor que transcende convenções. A mensagem do conto é a de que o stress causado pelo trabalho acelera o processo de depreciação da beleza feminina. O silogismo poderá ser questionável (ou não, pelo menos na parte psicológica), mas o texto exibe uma elevada mestria no domínio da narrativa, sobretudo quando descreve o estado interior de uma mulher obcecada pela perda da juventude e do amor, ou da forma impactante como conclui o conto na cena final, durante uma viagem de comboio.

Inês Pedrosa expõe um tema muito semelhante ao apresentado por Esther Tusquets,  mas sob a perspectiva de um narrador autodiegético, isto é, um narrador que conta uma história onde é, também, personagem, no conto intitulado Como de Costume. No entanto, não se trata de um narrador omnisciente pois este não consegue entrar na mente daqueles a quem observa, limitando-se a captar apenas a componente externa das atitudes.

Segue-se a prestigiadíssima Lídia Jorge que expõe, em À Flor do Beijo, a revoltante desigualdade de oportunidades e, simultaneamente, a facilidade com que se pode defraudar as pessoas mais ingénuas ou inexperientes, num texto que disseca, de forma extremamente verosímil, o contexto da génese da exploração do trabalho infantil, aliado a formas mais obscuras de comércio. Um texto que trata a problemática da dificuldade em ultrapassar uma idade de transição para a vida adulta e o abandono escolar em idade precoce por pressão familiar. Uma visão sociológica da realidade. Um relato acutilante.

Luísa Costa Gomes conta-nos Uma História muito longa e imbricada, uma mini-sátira, a brincar com o saudosismo tipicamente português relativo ao período imperialista, através das actividades de um grupo de pseudo guias-turísticas, constituído por um endiabrado bando de rapariguinhas do liceu. Estas divertem-se distorcer os factos históricos e a inventar peripécias de forma a iludir o tédio nos tempos livres. Uma visão psicossocial que nos é dada pelas diferentes reacções dos turistas das mais diversas nacionalidades face às patranhas históricas contadas pelas divertidas “diabinhas”. A Autora constrói, um caleidoscópio de estereótipos sociais, baseado nas reacções características de cada grupo.

Seguem-se os dois melhores textos desta mini-antologia de contos. São eles da autoria de Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, duas das controversas autoras de As novas Cartas Portuguesas.

O Azul-Cobalto de Maria Teresa Horta é uma história arrepiante que se lê de um só fôlego. Trata-se de uma escrita obsessiva, ou mesmo, maníaco-depressiva, traço fundamental da protagonista e narradora. É uma história sobre a  privação dos afectos na infância e das suas consequências nefastas numa personalidade adulta. A genialidade do conto está, não só, na escrita de MTH, mas sobretudo no encadeamento dos acontecimentos. Carência. Obsessão. Abandono. Loucura. Causa e consequência. Como se se accionasse um mecanismo. A fatalidade está presente logo na primeira frase. E ao longo do texto in crescendum até atingir o clímax no final.

A Prima Odília de Maria Velho da Costa é inspirada nos dois arquétipos do feminino, presentes no conto tradicional russo O Lago dos Cisnes que deu origem ao bailado de Tchaikovsky com o mesmo nome: Odette, a mulher-anjo, luminosa, ideal, solar; Odília, sombria, austera, lunar. O dia e a noite. Mas os arquétipos estão, na verdade, invertidos no tocante à sensualidade, figurando aqui uma caracterização de cada um que teria mais a ver com arquétipos da cultura clássica - Odette aparece como uma figura apolínea ou afrodisíaca na sua beleza perfeita, tão etérea que se torna quase angélica, e Odília, um ser dos infernos, triste, sombrio, profundamente terreno, mas lembrando Perséphone, ou outra criatura do Hades. A narração é feita, mais uma vez, na primeira pessoa, mas por uma personagem masculina. Mas este protagonista masculino de MVC revela muito mais acerca de si próprio assim como de tudo e de todos os que gravitam à sua volta, à medida que progride na narrativa. O ambiente do início do sec. XX , pouco antes da Primeira Grande Guerra, é aqui, magnificamente recriado tanto ao nível do guarda-roupa, como da decoração, da própria casa, hábitos da época, preconceitos, etc. Mas o mais importante é perceber em que consiste para o protagonista o amor ideal que é tudo menos aquilo o que lhe foi destinado.

E voltamos às autoras de nacionalidade espanhola.

Montserrat Roig descreve, em Before the Civil War uma party em estilo dos anos setenta, num lugar para onde convergem uma enorme variedade de culturas e nacionalidades. Um ambiente representativo de uma sociedade algo caótica, semelhante a uma micro-babel, onde são focadas as dificuldades de integração e de identidade para aqueles que são o produto de várias culturas.

Ofélia Grande de Andrés conta-nos a História do Porque não me chamo Concepción como a minha Avó. A busca das raízes e a reconstituição do passado com uma nota de nostalgia e de romance. É o mais romântico de todos os contos da obra.

E, por último, duas histórias que tocam a problemática da violência.

Rosa Montero aborda a questão dos mal-amados que acabam por se transformar em excluídos sociais, fazendo lembrar, por vezes, um filme de Almodóvar com a insólita História de Paulo Pumilio, o arrogante e mal-querido anão que despreza a feiúra e as fraquezas humanas. Uma história também contada na primeira pessoa a falar das injustiças da Justiça pelo ponto de vista de um psicopata, uma hiena, animal que sempre se mostra fraco com os fortes e forte com os fracos.

A visão de Soledad Puértolas foca o mesmo problema, na vertente psicológica mas situado ao nível da classe média-alta. É a história do psicopata de sucesso. Um predador infalível que, tal e qual a aranha, tece meticulosamente a sua teia de forma a apanhar a presa desprevenida. Um ser movido por afectos distorcidos, inquinados.

Por tudo isto, Doze Histórias de Mulheres é um livro imperdível.


Um colar com doze diamantes da mais pura água na literatura Ibérica.

O poder da palavra no feminino.


Cláudia de Sousa Dias
(texto reformulado a 12-01-2015)

Monday, June 20, 2005

“A Rainha Sol” de Christian Jacq (Bertrand)


Chistian Jacq é um reputadíssimo egiptólogo e arqueólogo francês com uma vasta obra já publicada, tanto no campo da ficção histórica como no ensaio, relativa à temática da Civilização Egípcia.
A Rainha Sol é um dos seus primeiros romances históricos, publicado no final da década de oitenta do sec XX (1988). Nele assistimos ao ocaso do reinado de Nefertiti e Akhenaton. Este afunda-se, cada vez mais, no seu próprio misticismo solar, completamente só na perseguição da sua utopia: a fusão com a fonte primordial da criação – Áton, o deus-Sol – que deseja instituir como única divindade.

Nefertiti vive, por sua vez, encerrada nos seus aposentos, escondendo de todos o seu declínio físico. Ainda na total posse das suas faculdades mentais, a Grande Esposa Real, possui ainda o pensamento estratégico que durante muitos anos dotou de eficácia o par reinante, apesar da sua cada vez maior debilidade física.

A trama gira à volta de um conflito despoletado pelo misticismo revolucionário de Akhenaton que deseja substituir a religião politeísta, fortemente enraizada nas tradições do povo do Nilo, pelo culto de Áton.

As medidas impostas, algo arbitrária e violentamente, pelo Faraó não são do agrado do povo. Este não aceita romper de ânimo leve com as tradições e pensar que toda a vida passada acreditou numa mentira.

Por outro lado, os sacerdotes de Amon-Rá, cujo centro de poder se encontra em Tebas, vêem o seu poder drasticamente reduzido, depois de Akhenaton transferir a capital para Amarna, a Cidade do Sol – a cidade de Áton.

Está lançada a semente para uma guerra civil.

Entretanto, os soberanos partem para o reino de Osíris (que governa o mundo subterrâneo dos mortos, o equivalente ao Hades dos Gregos).

Contra todas as expectativas é a terceira filha do casal real, Akhesa, quem ascende ao trono. Akhesa será a deslumbrante esposa do faraó Tutankhamon (tal como se encontra representada nos frescos que ornamentavam o túmulo do referido faraó quando este foi descoberto nos anos 1920). Mulher de beleza extraordinária e inteligência apuradíssima, Akhesa é uma verdadeira filha de Nefertiti.

Mas as qualidades de Akhesa são, simultaneamente os seus pontos fracos…

…a beleza e a inteligência despertam o receio entre os sacerdotes de Amon-Rá – que receiam que as rédeas do poder lhes escapem definitivamente e que a rainha siga as pisadas do seu pai . Por outro lado, a jovem rainha tem de contar com a inveja de algumas nobres e o desejo e ambição de Horemheb, general e escriba – Comandante Supremo do Exército e Chefe da Administração do Estado – que tudo fará para manietar o jovem casal de adolescentes reinantes e, se possível, eliminar, Tutankhamon.

A forte personalidade de Akhesa, a Rainha-Sol, ajuda, contra todos os obstáculos, o frágil Tutankhamon a superar as suas dificuldades.

A Rainha Sol relata a vida de uma personagem desde as descobertas dos anos vinte, tem suscitado grande curiosidade nos amantes da civilização dos faraós.

O Autor cria, neste romance, uma teia de relações de poder e intriga passional que obriga as personagens principais a viverem no fio da navalha onde o mínimo deslize significa a morte.

É uma história contada num estilo simples, na qual o suspense é ditado pela sombra permanente da traição.

Um épico hollywoodesco com um ligeiro perfume a fatalidade.

Para dar a conhecer a mais dotada das filhas de uma rainha que permaneceu, na memória dos homens, tão eterna como as pirâmides.

A história de uma mulher tão solar como o próprio Egipto.


Cláudia de Sousa Dias